Questão de Imagem

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Sigo neste texto com minha proposta de trazer um pouco da análise do cotidiano a partir do cinema. O filme abordado hoje será “Questão de Imagem”. Filme leve e aparentemente despretensioso, toca na questão da importância da imagem versus a luta por um “espaço ao sol” daqueles que não seguem o padrão de beleza ditado socialmente. Tema tratado várias vezes em filmes e livros, mas que não se desgasta em função de constituir uma realidade construída socialmente no dia-a-dia de todos nós. Será possível “vencer na vida” em uma sociedade que valoriza a aparência em detrimento dos valores éticos?

Fazendo um breve resumo do filme: a protagonista é uma moça obesa, filha de um “homem influente” e de status na sociedade. Busca a atenção do pai, mas este sempre a coloca em último plano e valoriza as conquistas da outra filha menor, rebento de seu segundo e atual casamento. Sua filha maior, então, começa a comportar-se sempre esperando ser pouco valorizada. Gosta de um rapaz que somente a “utiliza” para aproximar-se de seu pai. Vai a festas atrás deste rapaz, mas este sempre “fica com outras moças” na frente dela, desvalorizando-a. No entanto, ela permanece sempre em busca dele. Finalmente, um outro rapaz interessa-se por ela verdadeiramente. Ela, entretanto, não acredita e age como se este quisesse aproveitar-se de sua situação de “status de filhinha de papai”. Podemos começar daqui nossa pequena viagem pelo cotidiano. Quem necessita aproveitar-se de um status, algo que está fora, esta realmente seguro daquilo que é? Existe uma dinâmica de grupo muito interessante, na qual pedimos para cada pessoa dizer “quem é”. Todos começam pelos rótulos sociais e, se formos descartando os rótulos, o que permanece? Podemos experimentar fazer este “pequeno jogo” conosco mesmos. Eu sou… e observe o que se mantém depois de retirar o que você faz, com o que você trabalha, suas atividades, seus papéis sociais. O que permanece é sua essência. Mas, será que você valoriza sua essência?

Socialmente ouvimos, desde pequenos, fulano é bonito(a), beltrano é feio(a) e sabemos que a beleza pode abrir ou fechar portas também. Há pessoas bonitas que também sofrem preconceito e são “tachadas” de incompetentes, como se beleza não pudesse conviver com inteligência ou sapiência. Na clínica observamos diversos relacionamentos que se tornam turbulentos em função de as pessoas superestimarem as próprias necessidades egóicas. Explico-me: a necessidade de ser constantemente elogiado(a) por sua beleza, atitudes em detrimento da real troca despretenciosa de carinho, afeto e atenção. Falamos na realidade do Narcisismo: a necessidade de ter a imagem acima de tudo cultuada e preservada. Quando esta imagem “cai por terra’ o que sobra? Quando o status, a beleza não são suficientes para manter as relações verdadeiras, que formas de troca podemos construir? A protagonista do filme descobre que seu namorado, realmente apaixonado por ela, não se aproximara em função de status ou interesse pela posição social de seu pai. Neste momento acontece a verdadeira possibilidade de transformação. E o que pode acontecer quando passarmos a realmente olhar fundo aquilo que somos, além das aparências?

O mito de Narciso pode forncecer-nos algumas pistas. Narciso era cultuado pelas Ninfas por sua beleza e desprezava-as, impedindo que estas se aproximassem. Um belo dia, seguindo uma maldição dos Deuses, Narciso apaixona-se por sua própria imagem. Olhando-a refletida às margens do rio, mergulha em busca deste ser belo (ele mesmo). Morre afogado e naquele lugar nasce uma bela flor chamada Narciso. Podemos pensar que quando nos cerramos apenas em nossa imagem, matamos uma parte de nós mesmos riquíssima – nossa psiquê, nossa alma. Quando escolhemos viver na superfície das coisas, não sentimos a profundidade da vida. Quando optamos viver a partir de aparências para satisfazer nosso próprio ego, relacionamo-nos de forma rasante e distante daquilo que poderíamos realmente construir. E, no final de tudo, se esta é a opção, a única coisa que permanece para aqueles que ficam é a imagem. O legado que deixamos é o espelho daquilo que vivemos, mas nunca a vida é o espelho. Este é apenas uma pálida lembrança de tudo que sentimos, vivemos, percebemos, aprendemos, desenvolvemos, trocamos e crescemos na relação verdadeira consigo mesmo e com o próximo.

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