O amor sempre esteve presente na história das relações humanas, nas suas paixões, desencontros, dúvidas… Sentimentos ambíguos, por vezes díspares, surgem de forma atualizada em nosso viver cotidiano. E diante das infinitas formas de amar e das inúmeras variáveis presentes, por vezes nos questionamos e nos deparamos com a frustração: o outro não corresponde ao meu desejo … E o que construo a partir dessa vivência? A partir de que escolhemos as nossas formas de nos relacionar? Quais as referências que nos permitem apegar e desapegar do que sentimos na relação conosco e com o outro? Estas questões são tão antigas quanto o próprio amor. Iniciamos neste momento uma série de questionamentos que não nos trazem certezas, senão a possibilidade do encontro de cada um com os seus próprios meios de gestão, buscando seu próprio referencial de saúde na relação interpessoal e intrapessoal.
Iniciaremos nossa reflexão partindo de uma viagem retrospectiva por nossa vida, em busca do momento em que nasceu o amor. Lá no ventre, no âmago, na nascente de onde a vida começa, emergem as primeiras trocas afetivas que são gradativamente registradas em nossos corpos, pele, mente, coração. Amor de mãe, pai, filho, registros de elos permanentes e tão presentes, pois nos acompanham por toda a vida (mesmo em sua ausência física): nossas referências básicas de contato, prazer, dor, percepção, afeto e relação. E quanto maior a qualidade do contato nos primeiros anos de vida e a percepção de sua existência, maiores as chances de escolher de forma mais plena e prazerosa relações mais saudáveis conosco e com o outro. Durante nosso crescimento estabelecemos novos vínculos, seja com os amiguinhos da escola, os professores, os familiares mais distantes, espelhando de algum modo a “qualidade do contato inicial”. O espelho dos vínculos de amor, liberdade, apego, desapego que os pais e pessoas próximas estabelecem conosco. A primeira ida a escola, o choro inicial e a percepção da criança de que pode seguir adiante, sem por isso perder os pais. A percepção dos pais de que podem deixar seus filhos crescerem, estabelecerem novas etapas em sua vida… O bebê vai tornando-se criança, adolescente, adulto e, de acordo com suas vivências, sentimentos, percepções, cria padrões de relação.
E aqui estamos nós no aqui e agora de nossas vidas. Vivemos e amamos. Sim… Como estamos nos relacionando agora conosco e com outras pessoas? Amigos, família, namorado (a), parceiros de trabalho, etc? Estamos nos relacionando realmente no presente ou estamos nos relacionando com expectativas que construímos a respeito do outro? Como as expectativas que nossos pais contruíram a respeito de nós e que não pudemos suprir completamente… Será que estamos também nos decepcionando com o outro por esperarmos dele o que ele não pode nos oferecer? Estaremos nos decepcionando conosco mesmo por exigir ser o que não somos? Amor, raiva, medo, dor, prazer, fazem parte das relações mais intensas. Relações por inteiro só ocorrem no presente. Viver no futuro, em detrimento do presente, é projetar e não permitir ser. Ser é estar no presente. Fazemos de nossas relações, presentes? Relacionamentos que construímos passam por um enorme equívoco: a prisão ao futuro e o esquecimento dos grandes sinais que temos no momento presente. Quem é o outro que está diante de mim? Quem sou eu que estou diante dele? O que ele deseja de mim? O que eu desejo dele? Que vidas podemos construir a partir de nossas individualidades e o que podemos construir em conjunto?
Por vezes vivemos relações de apego, que partem e se baseiam no controle do outro, nos ciúmes, no medo da perda. RE-editamos no presente o filme que vivemos no passado, sem percebermos a repetição. Somos humanos e é muito fácil ouvir: desapegue-se do outro, desapegue-se da situação, das ansiedades, do desamor, da baixa estima, do sentir… use a razão. Racionais como somos ou emocionais que somos, permanece a cisão entre o que sentimos e pensamos ser melhor para nós. O apego se mantém na divisão entre aquilo que sou e o que espero que o outro seja para mim. A partir de então, não podemos nos relacionar com o outro e sim com a imagem que temos dele, ou do que esperamos dele. Permitir-nos olhar para nós, para o outro e para o que nós construímos e percebermos como nos sentimos é fundamental. A liberdade que existe entre as pessoas que se relacionam, no ir e vir, na permissão para sentir saudade, desejo, é um dos ingredientes que move as relações. Ser individualmente, ser com o outro por escolha mútua. No trabalho, tiramos férias para reabastecer-nos e retornarmos com nova carga, disposição, idéias, sentimentos. Nas relações, por vezes, também necessitamos umas “férias” para reavaliarmos algo ou, simplesmente para podermos sentir saudades, percebermos o quanto o outro é importante para nós.
Há ainda a possibilidade de reconstruir, aprender com nossas experiências atuais, refazer as tramas que se iniciaram em nossas primeiras relações. A relação terapêutica surge como um caminho para sinalizar nossas repetições e percebermos que no presente podemos optar por formas mais saudáveis, inteiras de relacionamento, partindo do que somos, do que o outro é e do respeito aos limites, escolhas de cada um. A liberdade de ser, de responsabilizar-se pelas escolhas que fazemos, de perceber os tipos de relações que estabelecemos conosco mesmo e com o outro são caminhos para um viver mais íntegro, onde a transformação não é uma ameaça, senão um dos meios de presentificar e tornar a vida o grande presente que ela é. A arte do desapego, seja de padrões, vivências traumáticas, relacionamentos nocivos que até então permitimos em nossas vidas, etc. consiste em vivenciar tudo, permitindo que razão e emoção se encontrem, alquimizando o ser.
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