Publicado no Jornal Prana no ano de 2006.
Construir um relacionamento saudável é um grande desafio diário. É algo permanente na vida das pessoas que realmente se propõem a fundamentar a identidade de casal a partir de uma entrega genuína. Isto porque além de nos relacionarmos com alguém que é um universo distinto do nosso, ocorrem inúmeras transformações de ambos durante a vida. As demandas se alteram, além das percepções, dos modos de agir diante da vida, dos objetivos, só para dar alguns exemplos. Acrescentamos a este primeiro entrave o número cada vez maior de pessoas que se unem sob a égide do: “se não der certo, separa…” Então o que nos resta fazer se concomitante às dificuldades individuais, existem diversos estímulos externos para utilizar o relacionamento como algo descartável?
Ao mesmo tempo em que a sociedade evoluiu na tecnologia e velocidade com que as informações são processadas, a forma de o ser humano se relacionar consigo próprio e com seus pares parece ter estancado em muitos aspectos. Embora hoje tenhamos acesso a muitas pessoas, a carência de relacionamentos profundos com troca genuína é imensa. Ouço em meu consultório pessoas extremamente interessantes, inteligentes, cultas, enfim, com diversos adjetivos, e também com uma grande dificuldade de encontrar um(a) parceiro (a). Isto porque o “medo do envolvimento” é algo extremamente presente. Envolver-se com alguém implica em primeiro estar envolvido por si mesmo, isto é, estar atento as suas próprias necessidades, limites, desejos, etc. E envolver-se com o outro sem se disponibilizar antes para escutar os próprios anseios, geralmente redunda em relacionamentos em que ambos perdem a própria individualidade. Mas, na atualidade, o que percebemos muitas vezes é que o extremo oposto é o mais freqüente, isto é, o medo de perder a individualidade é tão avassalador que os limites entre as pessoas muitas vezes se torna intransponível. É como se construíssemos muros tão altos que o outro não consegue chegar do lado em que estamos.
O transitar entre o limite de um e de outro é uma arte. Para construir um casal, é necessário construir a identidade de um, de outro e do casal. Há coisas que um gosta e aprecia e o outro não e vice-versa. Há diferenças a serem respeitadas, mas há também territórios a serem construídos a dois, pontos de intersecção, pontos de encontro. Se ambos são individualidades distintas o tempo todo, sem pontos em comum, a tendência é que o desencontro seja a temática da relação. Se, no entanto, há o interesse real em investir no relacionamento, pode-se construir pontes entre os indivíduos. A flexibilidade é fundamental para que isto se torne possível. A possibilidade da relação acontece na medida em que ambos se permitem conhecer os próprios limites e os do outro, respeitando-os. A negociação das diferenças advém deste conhecimento que é constante na vida dos casais. Os limites modificam porque o relacionamento tende a uma inclusão ou exclusão do outro no nosso cotidiano.
Além disso, todo relacionamento tem um ritmo próprio que é regido pelas pessoas. Cada casal tem seu ritmo próprio e cada indivíduo dentro do casal tem também seu ritmo pessoal. Além do ritmo, as intensidades são também diferentes, além dos canais de comunicação (um pode ter maior necessidade de toque – cinestésico; outro de ouvir mais o que o outro pensa a respeito da relação – auditivo; e o outro ver que o parceiro lhe trouxe um buquê de flores – visual). Claro, todos nós gostamos de perceber que o outro investe na relação. Quanto menor o investimento, maior a possibilidade de o relacionamento se tornar acomodado, sem que o casal encontre realmente momentos de descoberta e manutenção da relação.
Outro ponto importante a ressaltar é que quanto melhor estivermos conosco mesmos, maior será a nossa disponibilidade para realmente investir no relacionamento que desejamos. Por vezes nos mantemos em relações destrutivas e perdemos o senso daquilo que poderia ser construtivo. A psicoterapia é um dos veículos possíveis para o auto-conhecimento e construção de uma individualidade sadia, voltada ao reconhecimento e respeito dos próprios limites, potencialidades de escolha e construção dos próprios caminhos.
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