A dificuldade de Amar e ser Amado.

Por Adriana Marques dos Santos*

É difícil dar amor a alguém que se orgulha tanto de sua capacidade de suportar o isolamento e que amorteceu sua própria necessidade de amar e ser amado. Meditando sobre a frase de Alexander Lowen, discípulo de Wilhelm Reich, em seu livro Medo da Vida, convidamos o leitor a uma pequena reflexão conjunta sobre algumas formas de se relacionar frequentemente vivenciadas no cotidiano. A primeira pergunta que colocamos é: como alguém pode ser amado sem dar permissão a si próprio para receber amor? E ainda: como amar, restringindo-se em sua expressão afetiva? Por que a dificuldade de expressar afeto é tão constante nos relacionamentos atuais? Por que alguns indivíduos agem como se construíssem verdadeiras ilhas, completamente arredias ao restante da humanidade? Estamos vivenciando a era do encapsulamento? É mais fácil relacionar-se virtualmente do que pessoalmente? Wilhelm Reich nos deixou um legado interessante que nos serve de linha mestra para buscarmos o entendimento sobre a dificuldade em expressar/receber afeto. Segundo o autor, todos nascemos abertos para as trocas afetivas com o meio externo, isto é, sem defesas contra o mundo. Ao longo do crescimento, construímos modos de perceber e de reagir aos estímulos externos, que se cristalizam como defesas contra algo vivenciado como ameaçador. Reich chamou estes padrões de reação defensivos de Caráter . Nosso jeito de agir diante do mundo é algo que se torna um padrão mais ou menos rígido, motivado por sensações e sentimentos ligados ao modo como percebemos nossa história de vida. Se nos sentimos ameaçados, mesmo sem consciência disto, tendemos a responder ao mundo de um modo defensivo. Tal defesa então se atualizará nas relações do cotidiano, gerando respostas semelhantes às situações que nos geraram estresse no passado. Reagiremos como se o mundo sempre nos fornecesse algum tipo de ameaça. Podemos pensar, por exemplo, naquelas pessoas que desejam muito se aproximar de outras, mas agem de forma retraída dificultando a aproximação do outro. Também naquelas em que o jeito de falar agressivo é constante, sem que exista uma auto-percepção sobre seu modo de ser. São padrões que dificultam a construção de relacionamentos mais profundos, pois afastam outras pessoas de seu convívio. A todo padrão de agir, corresponde um padrão corporal. Reich denominou as defesas estampadas no corpo de couraças . Tais defesas garantem sua manutenção na restrição da respiração, no desequilíbrio do funcionamento glandular, celular e no excesso ou falta de tônus muscular. Construímos um modo de funcionamento corporal que nos adoece e que se perpetua em relacionamentos também enfermos. Corpo e mente são uma unidade que funciona de modo integrado. Para ilustrar , podemos citar como exemplo o caso de uma pessoa acometida por Esofagite. Obviamente não reduzimos sua doença a uma relação de causa e efeito, o que seria uma visão limitada da realidade. Mas, observando-a em sua complexidade, percebemos que se trata de pessoa extremamente raivosa, tendendo ao isolamento social, colocando-se limitada ao relacionamento com o cônjuge e filhos. Dificulta a aproximação de outros, o que poderia inclusive diminuir o estresse de sua vida. Parece ruminar uma raiva constante de sua situação de vida atual, o que vomita sobre outras pessoas que buscam ajudá-la. É interessante notar que sua doença acomete exatamente o Esôfago, canal de passagem para o estômago. Podemos inferir o quanto esta pessoa não digere literalmente o que vivencia, “cospindo no outro o que lhe caberia digerir, fornecendo-lhe suporte para dar outro rumo a sua vida”. No entanto, tal comportamento só começa a tornar-se consciente após ter iniciado processo de psicoterapia. Ao dispor-se a trabalhar sobre si, começa a abrir a possibilidade de modificar seus padrões que permanecem ancorados no inconsciente. O trabalho corporal possibilita a atuação sobre as couraças, permitindo sua flexibilização, melhorando sua respiração, tônus muscular e, desta forma, aumentando sua disponibilidade de energia para a vida. A conexão com as vivências do presente, permitem a integração de como o passado se torna atualizado nas relações que são dificultadas por sua postura defensiva. A integração da intervenção sobre o corpo e aquilo que é verbalizado nas sessões de psicoterapia, fornecem vias de acesso ao inconsciente, permitindo a elaboração sobre as vivências atuais. E elaborar é o meio de transformar não apenas comportamentos, mas tocar a verdadeira essência a partir da flexibilização do caráter e das couraças.
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