Função Paterna

Atualmente a estrutura familiar atravessa profunda alterações. No lugar de um único núcleo familiar anteriormente composto por pai, mãe e filhos, observamos cada vez mais várias famílias que partem de um ou de vários núcleos iniciais. Explico-me: é crescente o número de separações e re-casamentos. E o modo de administrar esta estrutura complexa também segue novos padrões. Como se configura, por exemplo, a função paterna nesta nova demanda familiar? Além das separações crescentes, há também famílias que mantém o núcleo original. Mesmo assim, tal família também é atingida pelas novas exigências sociais. A jornada de trabalho dos pais, por exemplo, é cada vez maior. Há o incremento da demanda de trabalho com a participação crescente das mulheres. Novas demandas, nova organização. E como se organiza “a lei” da família, transmitida pela função paterna?

Quando me refiro a “função paterna” significa que cabe ao “pai simbólico” transmitir a lei familiar. O que pode ou não ser feito, os limites. Esta função paterna é cada vez mais assumida por várias pessoas, nem sempre o pai biológico. A mãe, muitas vezes assume esta função na ausência do pai. O padrasto, no caso de filhos de pais separados, por exemplo, também acaba por herdar a função de organizar, dar limites e padrões a esta nova família. Os avôs também participam com freqüência, também como referenciais de limites. A fim de abarcar tal complexidade, falaremos sempre da função paterna e não da função do pai. Nossa homenagem hoje é estendida a todas estas pessoas que assumem tal função, extremamente necessária e difícil nos dias atuais.

Não é fácil, porém é admirável a flexibilidade com que os pais da atualidade são convidados a lidar com as pressões de educar seus filhos. Vemos adolescentes “pit boys” na mídia e poucos sabem acerca daqueles que se engajam em programas sociais. Os valores cada vez mais distorcidos exigem posturas diferenciadas daqueles que assumem a função paterna. Dar amor é também dar limite. A liberdade excessiva e o limite rígido e sem amor são extremos de uma mesma moeda. E o efeito disso já é percebido nos dias atuais. Por outro lado, a observação profunda e o conhecimento real de nossos filhos, o estar perto, o compartilhar inclusive das dificuldades desta relação são caminhos construídos no cotidiano por aqueles que realmente assumem a função paterna com qualidade. Fiz referência anteriormente aos pais separados. É enorme a quantidade de pais separados que mantém laços estreitos com seus filhos. Muitas vezes o distanciamento a que estes se submetem é menor do que de pais que compartilham do cotidiano dos filhos. A qualidade da relação, a disponibilidade para ouvi-los, conhecê-los em suas dificuldades e potencialidades, a permissão para rever a postura adotada com os filhos são meios de aproximação e de construção de uma relação genuína.

Lidar com os filhos, principalmente na adolescência pode ser um desafio fascinante. Quanto aprendemos com eles! Muitas vezes podemos encontrar barreiras porque eles podem não querer compartilhar, falar de si. Mas, se o respeito é o norte desta relação, novos caminhos de aproximação podem ser descobertos. O pai falar de si, das próprias experiências de vida, pode ser um caminho para troca. Desenvolver atividades junto com os filhos, descobrir suas preferências, entrar em seu mundo. Ser pai e também amigo. E até reconhecer que a amizade aí é limitada, pela liberdade do filho em não expor tudo, mas amizade no sentido de escuta. Estar próximo não invalida a função paterna. A educação atual nos mostra novos caminhos e desafios a serem enfrentados. Se nas gerações antes dos anos 50 imperava a educação pelo medo, aparentemente mais fácil (e mais distante), hoje impera a educação pelo diálogo. Mais trabalhoso, mas também mais próximo, genuíno.

Se bem coordenada, a função paterna se manterá sempre – dar limites, estipular e demonstrar a necessidade das normas, sem ferir a integridade dos filhos. A sociedade futura depende diretamente dos valores, dos limites, da visão de mundo que transmitimos para nossos filhos. E principalmente, do amor, da disponibilidade, da qualidade dos relacionamentos que construímos. Esse é o nosso desafio: transmitir para nossos filhos a responsabilidade de viver com qualidade, lutar por seu espaço no mundo a partir de uma postura Ética. Se formos pais éticos, é grande a probabilidade de termos filhos éticos. Nossa homenagem é direcionada a estes pais e pessoas que assumem a função paterna com ética, disponibilidade e consciência de que seu papel é crucial na construção de um mundo melhor. Mundo este no qual imperem relações de respeito, afeto, cooperação, dignidade, integridade. Onde a firmeza de caráter substitua a violência, onde o limite substitua o desrespeito ao espaço alheio.

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